17/04/2011

Meretríssima Lady Constituição

Posted in Neopessimista tagged , , , , , , , às 22:23 por Roger Lopes

Princípio conceitual básico, nem tudo que é legal é moral, nem tudo que é moral é legal e nesta Land of Oportunity geralmente tudo que é legal ou moral não é necessariamente ético. Não é premissa aprofundar aqui tais teorias filosóficas, pois para isso existe uma caralhada de obras de grandes pensadores melhor embasados do que as vãs pretensões deste artigo. Quem estiver interessado, que abandone o aprendizado fast food osmoseático gentilmente capitaneado pelo modelo educacional construtivista das escolas autóctones brasileiras e vá pesquisar a respeito.

Entretanto, faz-se premente alguns exemplos ocorridos sob o céu da pátria neste instante, como o espetáculo pirotécnico do evento “Ficha Limpa”, onde o Supremo Tribunal Federal (STF), evocando o Monstro Frankensteiniano Constitucional, permitiu que candidatos corruptos (como se houvesse de outra laia), escolhidos pela última ignominiosa circense electione assumissem as cadeiras de representantes. É mais do que desejável que idoneidade e caráter sejam exigências mínimas para compor cargo público, mas como na Joan Mother’s Home tais atributos são mais raros que diamante, assiste-se ao absurdo dessa celeuma por regulamentação oficial específica.

Permito-me usar as palavras de Rousseau para exprimir minhas próprias impressões: “A idéia de Representantes é moderna: ela nos vem do governo feudal, desse iníquo e absurdo governo no qual a espécie humana se degrada e o termo homem é desonrado. O povo pensa ser livre; está muito enganado, pois só o é durante a eleição dos membros do parlamento; tão logo estes são eleitos, ele é escravo, é nada. Nos curtos momentos de sua liberdade, o uso que faz dela mostra bem que merece perdê-la. ”

Não tão filosófico, porém igualmente ilustrativo é o vaticínio da nostálgica banda Plebe Rude, nativa da capital mundial da corrupção conhecida como Planalto Central, nos idos da década de 80, sobre os meandros das articulações legais: “A Justiça é tão bela, se funcionasse só uma vez. A lei não ressuscita, burocratiza o que eu já sei.”

A grande questão é que a decisão dos excelentíssimos desembargadores, apesar de todos os amparos normativos, deixa de atender claramente a um clamor nacional pela moralidade e ética, justificando que “a iniciativa popular é mais do que salutar, desde que em consonância com as garantias constitucionais”. Muito convenientemente nobre da parte do eminente jurista defender sob as luzes dos holofotes midiáticos a honra ofendida da jovem Lady Constituição, mas permitindo que os cafetões mandatários do país a prostitue em bel prazer nos bastidores pornográficos por trás das câmeras.

Longe deste incrédulo acreditar na boa vontade de qualquer um destes corruptos congênitos, que em uma nação séria e menos indulgente ocupariam cela engradada ou teriam a mão amputada para não mais se aproveitarem da miserabilidade humana, todavia as raras decisões corretas desta corja devem ser enaltecidas, independentemente das razões escondidas em seu âmago.

Ressalto aqui o Projeto de Lei do recém-empossado presidente da Câmara de Vila Velha – ironicamente beneficiado pelo corporativismo na decisão do STF sobre a questão “Ficha Limpa” – proibindo que passageiros sejam conduzidos em pé nos transportes coletivos da cidade, já que o Código Nacional de Trânsito dispõe sobre a obrigatoriedade do uso de cintos de segurança em todo e qualquer veículo automotivo. Tal medida, que nada mais faz que apelar para a legislação vigente, acende uma discussão que mexe com o pilar de um dos piores sistemas de serviços públicos do país, o transporte coletivo, e a “inexplicável” subserviência governamental com empresas desse setor, ao respeitar a meretríssima constituinte, que diz ser Direito do Cidadão e Dever do Estado um transporte público adequado e de qualidade. Por favor, grife-se aqui a palavra “qualidade”.

Obviamente que a voracidade do lobby empresarial já sacou seus curingas parlamentares da manga para barrar a proposta, alegando suposta inviabilidade técnica e fiscalizatória, pois o custo do serviço é baseado na superlotação das latas de sardinha sobre rodas. O leitor atento provavelmente percebeu a armadilha semântica na substituição sacanamente premeditada do termo “lucro” por “custo”. E se Malandro é Malandro e Mané é Mané, podes crer que é, me pergunto por que desta feita o ego inflamado dos altivos cavaleiros de toga não vieram em salvaguarda de sua indefesa Prostituinte.

Paradoxos do destino a parte, o pior da história é assistir ao próprio populacho condenar uma medida que visa tratá-lo com um mínimo de dignidade, em razão do medo absurdo de que falte ônibus para atender às demandas ou que o preço da passagem se eleve substancialmente, condição que só ocorre devido à própria apatia dos usuários em fiscalizar e cobrar.

 Mas como tudo já acena para a preservação do status quo caprino, só nos resta retornar ao velho pensamento rousseaniano quando afirma que “as almas baixas não crêem de modo algum nos grandes homens: escravos vis sorriem com um ar de troça à palavra liberdade. O cristianismo prega apenas servidão e dependência. Seu espírito é por demais favorável à tirania para que esta não se aproveite sempre dele”.